Com a recente entrada de Portugal no 3º período de estado de emergência devido à pandemia do Covid-19, prevista até ao dia 2 de Maio, muitos de nós vamos ter de ficar por casa mais uns tempos. Assim sendo, e em nome da sanidade, devemos reservar uns minutos por dia para um belo dolce far niente. Mas atenção, um dolce far niente com qualidade.
A Netflix tem neste momento muito conteúdo audiovisual para todos os gostos e, se procurarmos bem por entre a multiplicidade quase interminável de séries, sitcoms, filmes, documentários, espetáculos de stand-up, reality shows e outros programas, conseguimos encontrar algumas “pérolas” que valem mesmo a pena ver, ou até revisitar se for o caso. Neste caso, vamo-nos concentrar em GRANDES séries, aclamadas pela crítica, mais concretamente, duas histórias que já conheceram o seu epílogo e três que estão ainda a decorrer.
Sugerimos, então, para suavizar a alma de todos aqueles confinados às suas casas, 5 grandes séries disponíveis e imperdíveis atualmente disponíveis na Netflix, para ver pela primeira vez ou mesmo para rever.
1. Breaking Bad
Walter White (Bryan Cranston) é um professor de Química num liceu de Albuquerque, nos Estados Unidos, que descobre que tem cancro do pulmão em fase terminal. Com a mulher grávida e o filho adolescente com paralisia cerebral, Walter decide então fabricar e vender metanfetaminas para assegurar o futuro da família antes de morrer. To break bad é um coloquialismo que vem do sul dos EUA e que significa tornar-se mau; virar-se para a imoralidade e para o crime. Fiel ao conceito, Breaking Bad para explora a história de um homem prestes a entrar nos 50, conformado com uma vida demasiado enfadonha e medíocre para a sua inteligência e que, desesperado pelo cruel diagnóstico que a mesma vida lhe dá, decide assumir o controlo da sua existência e virar para o caminho do crime, para salvar a família. A cereja no topo deste bolo? Ele começa a gostar do que faz e é muito bom a fazê-lo…
Bryan Cranston, que era conhecido por cá pela comédia simpática de “Malcolm in the Middle” (A Vida é Injusta, série transmitida pela SIC Radical no início do século) interpreta Walter White, passando para um registo bem mais sério, intenso e dramático, polvilhado com belos momentos bem temporizados de humor negro, numa interpretação brilhante que lhe valeu 3 Emmys e um Globo de Ouro. Para não destoar, o elenco que o acompanha é simplesmente brilhante: Aaron Paul, que interpreta o desenrascado Jesse Pinkman, ex-aluno de Walt e pequeno fabricante de metanfetaminas que introduz o moribundo professor ao mundo da manufatura e venda de drogas, foi tão bom no seu papel que o autor decidiu manter a personagem até ao fim da série; Anna Gunn é Skylar, a mulher de Walter – bem intencionada mas demasiado castradora, também merece destaque -, tal como Dean Norris, o cunhado, bem disposto, arrogante e, para infelicidade de Walter, agente da DEA (a agência federal americana de combate ao tráfico de droga). E podíamos falar de muitos mais.
Criada por Vince Gilligan, um dos escritores da série de culto Ficheiros Secretos, Breaking Bad tem pormenores de cinematografia deliciosos, excelentes interpretações e momentos de tensão que nos agarram ao ecrã, apoiados por uma bela banda sonora. Tornou-se, portanto, e por direito próprio, também ela numa série de culto e tida para muitos como a melhor série de todos os tempos. Se ainda não viu, é obrigatório ver. Se já viu… então veja outra vez, aposto que vai gostar ainda mais.
Criador: Vince Gilligan
Elenco Principal: Bryan Cranston, Aaron Paul, Anna Gunn, Dean Norris, Giancarlo Esposito e Jonathan Banks
Pontuação no IMDB: 9,5/10
Nº de temporadas: 5 (2008 – 2013)
2. Mad Men
Matthew Weiner, que foi um dos escritores da belíssima série Sopranos, é o autor de Mad Men, um drama transmitido pela estação de cabo americana AMC, entre 2007 e 2015, sobre uma agência publicitária de prestígio em Nova York no início dos anos 60, na famosa Madison Avenue (a palavra Mad no título é uma referência aos publicitários que lá trabalhavam). Ao longo de 7 temporadas, o autor retrata toda a década de 60 até os inícios de 1970, na cidade que nunca dorme, Nova Iorque, partindo da sua personagem principal, o enigmático e talentoso publicitário Don Draper (Jon Hamm).
Don é o bem sucedido criativo da agência Sterling-Cooper, um génio criativo, pai de família e, como muitos homens na sua posição (vai nos mostrando a série), fuma, bebe e é mulherengo. Mas vive também a esconder o seu passado misterioso e doloroso, e que explica muito da necessidade de Don de se “vender” a si e de vender produtos. Numa década de grandes mudanças nas normas sociais e culturais nos EUA e no mundo, Mad Men aborda várias temáticas interessantes, como a entrada das mulheres no mundo do trabalho e a gestão do sexismo no ambiente de trabalho, o racismo, a cultura do consumismo e da promoção de que a nossa vida vai ser melhor se comprarmos mais coisas, os direitos Civis, a guerra no Vietname, etc. Mas é também sobre a reflexão sobre se de facto ninguém é quem diz ser, sobre todos termos segredos e sobre se é possível as pessoas mudarem. Mad Men desenvolve a sua história em lume brando, e muito bem, num estilo bastante subtil, muitas vezes por olhares, movimentos e outros momentos que ajudam a desembrulhar o enredo mais do que palavras conseguiriam. Tornou-se num fenómeno quase instantâneo e ganhou vários Emmys e Globos de Ouro, sendo aclamada pela escrita, as representações, a autenticidade histórica e muito marcadamente pela linguagem e pelo estilo visual.
São 7 temporadas desta grande série, todas disponíveis na Netflix, onde Mad Men explora uma época fascinante da história e as mudanças que nela ocorreram com profundidade, reflexão e sobretudo, muito estilo.
Criador: Matthew Weiner
Elenco Principal: Jon Hamm, January Jones, Elisabeth Moss, Christina Hendricks, John Slattery e Vincent Kartheiser
Pontuação no IMDB: 8,6/10
Nº de temporadas: 7 (2007 – 2015)
3. Better Call Saul
Baseado numa das personagens secundárias do já mencionado Breaking Bad, Better Call Saul é provavelmente o único spin-off verdadeiramente de sucesso da história da televisão americana.
A série começa nos inícios dos anos 2000, cerca de 6 anos antes dos acontecimentos de Breaking Bad, e segue as peripécias de Jimmy McGill, na sua tentativa de se tornar um advogado legítimo e cumpridor da lei e, portanto, a um mundo de distância de mudar o nome para Saul Goodman, o advogado esperto e espalhafatoso de criminosos que conhecemos mais tarde em Breaking Bad. Jimmy, interpretado por Bob Odenkirk, é um vigarista que quer regressar ao bom caminho e exercer Direito, tal como o seu irmão Chuck, um advogado de sucesso que Jimmy idolatra. Pelo caminho, e sempre que lhe parece que vai tudo correr bem, aparece sempre um obstáculo a complicar, seja a falta de confiança que o irmão tem nele, seja o envolvimento com Mike Ehrmantraut um ex-polícia que acaba por envolver Jimmy com o submundo do tráfico de droga em Albuquerque, Novo México. Ao longo da narrativa e aos poucos, vão aparecendo personagens conhecidas da série original, o que traz mais interesse ao enredo e tem o mérito de nunca parecer mais do mesmo, talvez porque as origens de Saul Goodman não fossem propriamente a história de que os fãs de Vince Gilligan estivessem à espera, na ressaca de Breaking Bad.
Vince Gillian regressa ao mesmo estilo de contar a sua história, com uma excelente cinematografia, banda sonora e elenco, e demora o seu tempo enquanto deixa que, sem pressas, Jimmy McGill evolua para o moralmente duvidoso e fala-barato Saul Goodman. Better Call Saul é um digníssimo sucessor de Breaking Bad, pois está ao mesmo nível e isso é muito raro de acontecer. Se gostou de Breaking Bad, então veja Better Call Saul, as primeiras 5 temporadas estão disponíveis na Netflix.
Criador: Vince Gilligan e Peter Gould
Elenco Principal: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Michael McKean e Giancarlo Esposito
Pontuação no IMDB: 8,7/10
Nº de temporadas: 5 (6ª e última prevista para 2021)
4. Ozark
O primeiro episódio de Ozark começa com uma narração da personagem principal: Marty Byrde, consultor financeiro, casado e pai de dois adolescentes em Chicago, fala com um jovem casal sobre a importância do dinheiro. Partindo da realidade Americana, onde diz que metade dos cidadãos têm uma dívida ao Estado superior às suas poupanças, Marty refuta ainda assim que o Sonho Americano esteja morto. O que é dinheiro? Uma troca de serviços? Algo imaterial, como a paz de espírito ou a felicidade? Que tal uma 3ª opção: Dinheiro como um instrumento de medição, não de aspirações impalpáveis, mas das escolhas e dos sacrifícios que fazemos na vida profissional e pessoal para investir no nosso futuro e no da nossa família. Ou seja, dinheiro não é paz de espírito ou felicidade, mas a medida das escolhas do Homem. São as consequências dessas escolhas que dão o mote para este enredo: Marty, uma espécie de nerd da finança, lava dinheiro para um cartel de droga Mexicano e o seu melhor amigo e sócio é morto pelo cartel por desviar milhões de dólares, obrigando-o a fugir com a sua família para Lake Ozark, nas montanhas do Estado do Missouri. Uma vez lá, elabora um plano para se manter relevante perante o cartel, lavando dinheiro através da compra de propriedades e negócios e, assim, manter-se a si e à sua família vivos.
Criada em 2017 por Bill Dubuque e Mark Williams, Ozark bebe da influência de outras séries, como Breaking Bad ou até mesmo Weeds: pessoal normal, suburbano, pai de família, com emprego normal, que escolhe entrar no mundo de crime para sobreviver e ajudar os seus. Jason Bateman, actor desde criança, interpreta Marty Byrde, e realiza alguns dos episódios, tendo mesmo ganho um Emmy de realização em 2019. O elenco secundário está ao nível da qualidade da série, onde o inevitável destaque vai para Laura Linney, como a mulher de Marty, que no início da série descobrimos ter uma relação amorosa com outro homem, e que é uma personagem bem mais complexa e intensa do que que parece. Os atores que interpretam a família dos Langmores, protótipo dos rednecks americanos que vivem em atrelados, e que tentam enganar a família Byrde, também merecem menção especial, tal como o psicótico agente Petty do FBI, que não olha a meios para apanhar os Byrde.
Não sendo brilhante, Ozark é quase brilhante, mantém o espectador interessado com um bom ritmo, um elenco competente e excelentes cenas de tensão. Já se fartou de ver Breaking Bad? Então veja este original da Netflix, as primeiras 3 temporadas estão lá à sua espera.
Criador: Bill Dubuque
Elenco Principal: Jason Bateman, Laura Linney, Julia Garner, Lisa Emery, Skylar Gaertner e Sofia Hublitz
Pontuação no IMDB: 8,4/10
Nº de temporadas: 3 (2017 – )
5. Peaky Blinders
Peaky Blinders é um épico de gangsters que reinavam nas ruas sem lei de Birmingham, no pós-1ª Guerra Mundial, à entrada dos anos 20. Embora seja uma história ficcional, esta trama é baseada num gang de jovens que viviam e operavam em Birmingham entre finais do século XIX e inícios do século XX, denominados Peaky Blinders. Estes dedicavam-se à violência, ao roubo, à extorsão e à manipulação de apostas. Baseado nesta premissa, e inspirado nas histórias contadas pelo pai sobre as ruas de Birmingham, Steven Knight criou esta série, que navega por eventos reais ocorridos no início do século XX, e fá-lo debaixo da lente ficcional dos Shelby, família de Birmingham com raízes ciganas, que colocou como espécie de cabecilhas dos Peaky Blinders.
Um dos traços característicos deste grupo era o facto de vestirem com fineza numa terra que conhecia, maioritariamente, privações e pobreza (fruto das dificuldades económicas da Grã-Bretanha nesta altura), e pela particularidade de coserem lâminas de barbear nas palas dos seus elegantes chapéus para poderem cegar os rivais à cabeçada ou navalhada. No centro da história, Thomas Shelby, interpretado pelo Irlandês Cillian Murphy. Recém-regressados da guerra e traumatizados quanto baste, Tommy e os seus irmãos reentram no submundo criminoso de Birmingham para tomar conta da família e da cidade e subir na sociedade, numa luta de violência, dinheiro e poder. O comunismo, o fascismo, as raízes ciganas, as comunidades italianas, o pós-guerra e mesmo algumas personagens da história Europeia, como Winston Churchill, são só alguns dos outros temas abordados e que adicionam substância à série. Mas um dos aspetos que mais chamam à atenção desta produção é decididamente o estilo que confere às personagens, às suas indumentárias e ao cenário de uma Inglaterra suja e empobrecida pela guerra e ainda com resquícios da era Vitoriana, ritmando o desenrolar dos acontecimentos com uma fantástica banda sonora de baladas e rock eletrizante contemporâneo, de artistas como Nick Cave & The Bad Seeds, Arctic Monkeys, PJ Harvey, Radiohead e The White Stripes, entre outros.
A caminho da 6ª temporada, Peaky Blinders conseguiu com mérito manter os níveis de qualidade e o interesse do público até agora. As primeiras 5 temporadas estão disponíveis na Netflix, por isso se gosta de gangsters estilosos, boa música, cenários de época, sotaques Ingleses cerrados, e o Tom Hardy a dar um ar da sua graça de vez em quando, esta é a sua série!
Criador: Steven Knight
Elenco Principal: Cilian Murphy, Paul Anderson, Helen McCrory, Joe Cole, Sam Neill, Adrien Brody e Tom Hardy
Pontuação no IMDB: 8,8/10
Nº de temporadas: 5 (2013 – )