Uma percentagem considerável dos participantes nas Minho Free Walking Tours são peregrinos que se encontram a percorrer o Caminho de Santiago. Os visitantes aproveitam estas visitas guiadas de curta duração para conhecerem a cidade de Braga através do ponto de vista dos residentes locais.
Relativamente esquecido até à década de 80 do século passado, o medieval “Caminho de Santiago” ganhou nova importância não só pelos fiéis, mas também por outras pessoas que procuram embarcar numa aventura intercultural ou desportiva. Este novo interesse deveu-se sobretudo ao investimento na sinalização dos trilhos e percursos urbanos e a recuperação e abertura de novos albergues de peregrinos.
Braga é também um ponto de partida do Caminho de Santiago. Relembre-se que Braga teve com Santiago de Compostela ligações antigas do ponto de vista religioso. Em alguns momentos, bastante tensas. A maior tensão foi despoletada no século XII por D. Diego Gelmires, Arcebispo de Santiago, depois da tentativa de “transferir a dignidade metropolítica de Braga para Compostela” ou o “Pio latrocínio”, tornando-se esta disputa pelas relíquias dos santos, numa das principais situações que contribuiu para a criação de sentimentos antagónicos entre os povos dos dois lados da fronteira. Diz-se que uma das gárgulas, representando um diabrete, que encima a cabeceira da Sé Catedral de Braga está direccionada para Compostela como forma de provocação e que o mesmo acontecerá com uma existente na catedral compostelana que estará direccionada para Braga… Esta rivalidade religiosa deixou de fazer sentido com a partilha das relíquias de S. Frutuoso, de Santa Susana, de S. Cucufate e de S. Silvestre, ao longo do século XX.
No dia 21 de Maio de 2016, a visita da parte de tarde contou com um grupo composto por dois ingleses, dois espanhóis e uma peregrina norte-americana, descendente de mexicanos, que estava a realizar o caminho de Santiago. Esta peregrina destacou-se pela sua alegria contagiante. Durante a visita, o guia revelou que uma parte da visita pelo centro histórico de Braga integrava um dos caminhos de Santiago. Na verdade, é possível ver referências ao famoso caminho logo junto ao Arco da Porta Nova ou nas esquinas das ruas limítrofes da Sé Catedral. Basta olhar para o chão e seguir as tradicionais setas amarelas que nos indicam a direcção para Compostela. Mas não só, a própria paróquia da Sé tem como orago S. Tiago cuja escultura se encontra na Capela de Nossa Senhora da Piedade, na Sé de Braga.
Para além disso, o guia explicou que era possível percorrer um pequeno troço do caminho de santiago dentro do centro histórico de Braga. Há inúmeras referências ao apóstolo de Jesus Cristo na nossa cidade. Na Rua D. Gonçalo Pereira encontramos a Igreja paroquial de S. Tiago da Cividade que é um dos mais antigos testemunhos da presença da devoção a este apóstolo. Na sua génese, teria uma orientação arquitectónica completamente oposta para a rua com o mesmo nome do orago S. Tiago. Passando pelo Arco de Santiago e a Torre de Santiago, reminiscências da muralha medieval e principal ponto de entrada na cidade dos peregrinos ao longo dos séculos, encontramos o Seminário de Santiago, edifício que pertenceu à Companhia de Jesus.
A visita com este grupo foi bastante divertida. Mas nada fazia prever a surpresa ocorrida algumas semanas depois… O guia recebeu uma mensagem através da Internet de duas amigas suas, a Ana Gonçalves e a Raquel Sousa, naturais de Braga, que estavam a realizar o Caminho de Santiago. Afirmaram que tinham conhecido uma americana que esteve em Braga e tinha participado numa free walking tour! Grande coincidência, a nossa peregrina cruzar-se com amigas de Braga e tornarem-se elas também amigas! Mas nada melhor para testemunhar este encontro do que reproduzir o texto que a Raquel gentilmente elaborou para este artigo:
“Mais uma volta mais um caminho… E mais uma vez o caminho faz-nos juntar pessoas, culturas, raças, credos, religiões. O espiritual parece-me ser o que mais se evidência no caminho. Perguntamos uns aos outros, seja o companheiro ou companheira do caminho: e então, tudo bem? De onde és? De onde vens? Há quanto tempo estás a caminhar? Estás bem? E não nos preocupamos com: o que fazes? Onde trabalhas? E outras perguntas mais que superficiais.
Fazemos o caminho para encontrar o caminho, para nos encontrarmos.
Somos todos iguais.
Somos todos iguais.
E neste caminho em 2016 encontrei a Sara Cervantes, americana de origem mexicana. Encontramo-nos em Caldas de Reis. Ficamos no mesmo albergue. Começamos a conversar e daí a nada já estávamos sentadas à mesa, a jantar, com mais companheiros de caminho do Brasil, da Austrália e até da Nova Zelândia. E como isto acontece num ápice e sem ninguém se conhecer. Damos por nós e percebemos que estamos sentados à mesa com estranhos, mas que parecem nossos amigos de longos e longos anos. O encontro é ele, um momento tão intenso que o sentimento e relação entre as pessoas fica muito forte.
Conversa puxa conversa, e começamos por dizer que somos de Braga. A Ana Gonçalves – amiga de longa data – estava comigo, e havíamos saído uns dias antes de Braga e tudo estava a correr bem. A Sara achou engraçado, pois tinha estado no Porto uns dias antes também e resolveu ir um ou dois dias a Braga. Diz que gostou muito e conheceu bem a cidade pois havia feito uma free walking tour. De seguida dizemos que temos um amigo que é guia, o João Gomes. Ela mostra-nos uma fotografia do grupo no jardim de Santa Bárbara e adivinhem quem era o guia? Sim, o João, o nosso amigo João, amigo de outros projectos e caminhadas.
Então, resolvemos devolver ao João uma fotografia comigo, a Ana e a Sara. Para ele recordar e nós também, que vivemos numa aldeia global e que as nossas vidas não se cruzam por acaso.
Raquel Sousa
Caminho de Santiago, Junho de 2016”
Este artigo foi escrito pela Minho Free Walking Tours