Se és um amante rendido do cinema e tens queda pelos clássicos, este mês o Theatro Circo traz-nos uma surpresa especial que talvez te possa deliciar. De regresso ao spotlight temos o clássico de Wim Wenders, Paris, Texas de 1984. Para os que já viram o filme, é uma boa oportunidade para recordar, para os que vão conhecer, é de aproveitar, pois não é todos os dias que se pode rever na grande tela um filme de tão elevado renome.
Uma viagem pelo deserto de Wenders
Travis caminha sozinho no deserto com um bidão sem água. Desidratado e quase descalço, por força da sua determinação consegue que as únicas pessoas que ama na vida, que por circunstâncias da mesma estavam separadas, acabem juntas. Talvez este seja um dos grandes motivos pelo qual Travis viage ao seu ritmo próprio, adaptado ao seu compasso mais lento. Pelo caminho as circunstâncias podem levar a algo novo e quem sabe maravilhoso. A viagem é indubitavelmente tão importante quanto o próprio destino.
Paris, Texas, é uma brilhante obra que carrega na sua atmosfera visivelmente densa os simples dilemas do ser humano comum, relacionados com os sentimentos interiores de nostalgia e amorosos, relativos a conflitos de cariz familiar e carnais. “Família” é a palavra de excelência, e é esse o grande motor de arranque para a viagem de Travis. E por falar em viagem, não devemos deixar de referenciar, sendo Wim Wenders um mestre dos road movies, que este não poderia ser excepção à regra, é também ele catalogado assim, pois como referi anteriormente, a questão da viagem está patente e tem uma carga de importância elevada, eu diria mesmo, que a viagem é o fundamental para a condução desta narrativa.
Back to the 80’S
Os anos 80 entram em força nesta obra. Temos desde o uso de certos elementos técnicos ao próprio dilema de Travis – a viagem da personagem principal- Travis representa o homem em busca do sentido da vida. Em paralelo, já que falamos nos anos 80, algo que também os aqui marca em muita força, é o uso e abuso dos elementos iconográficos da época, que é abundante no decorrer da história, juntamente com a presença que é frequente dos meios tecnológicos que parecem quase querer substituir, e muitas vezes até o fazem por completo, o confronto “cara a cara” entre as personagens. Esta questão está presente em algumas das cenas mais marcantes da obra.
Tecnicamente, a obra de Wim Wenders é dotada de detalhes interessantíssimos. A atmosfera é-nos brilhantemente transmitida através de pormenores fundamentais como: a palete de cores quentes e esbatidas, que juntamente com as paisagens arenosas e pitorescas do deserto quase nos transmitem a sensação de calor; a duração dos planos, longos e arrastados que quase nos transportam para a grandiosidade do mesmo… No entanto, uma das questões mais importantes, no meu ponto de vista, não é visível ao olho humano, mas sim audível: falo da fantástica banda sonora, composta por um dos nomes pesados dos icónicos Buena Vista Social Club, Ry Cooder, que com o ritmo lento dos seus Blues consegue quase mexer com o compasso do tempo e nos oferecer uma noção da longevidade, de um local calmo e sereno, como o deserto.
O regresso ao grande ecrã
Dia 20 de Março, Paris, Texas regressa às telas no Theatro Circo, pelas 21h30 no pequeno auditório. Este será também transmitido em algumas das salas mais icónicas do país, e, sendo uma obra valiosa dentro da história do cinema, aconselho veemente que faça dela, nesta segunda-feira uma possibilidade de serão após o jantar. Eu já o vi e revi inúmeras vezes, mas com o correr dos tempos a perspectiva de cada um de nós é mutável, como tal, não podia deixar de marcar na minha agenda mais uma viagem pelo deserto de Wenders.